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Em queda no Brasil, malária explode no garimpo e em terras indígenas

Evidências entre degradação ambiental e impacto à saúde reforçam necessidade de ação efetiva na semana indígena

Esta semana e a próxima serão pautadas pelas demandas das populações indígenas. Ontem, pela primeira vez desde a criação da data, a celebração se deu com o nome que elas defendem como correto. Não mais Dia do Índio, como decretado por Getúlio Vargas há 80 anos, mas dos Povos Indígenas.

Um sinal de respeito e reconhecimento da diversidade que partiu da Câmara no ano passado, com a aprovação de projeto de lei proposto pela então deputada federal Joenia Wapichana (Rede/RR), atual presidente da Funai (ela, aliás, completa 50 anos hoje). O texto chegou a ser vetado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, mas o veto foi derrubado no Congresso.

A medida simbólica, porém, pouco teve reflexo sobre o processo de desmonte ambiental e de retrocesso aos direitos indígenas promovido nos quatro anos anteriores pela gestão Bolsonaro. Não à toa, a demanda para que a política indigenista entre logo nos trilhos novamente vai marcar os debates dos próximos dias.

Na semana que vem, será realizado o Acampamento Terra Livre em Brasília, com o tema “O futuro indígena é hoje. Sem demarcação não há democracia”. O pedido mais imediato, como está explícito no nome, é a demarcação dos territórios indígenas. Como é de conhecimento de todo mundo que acompanha essa agenda, Bolsonaro cumpriu direitinho o que prometeu e não criou nem um centímetro de terra indígena em seu governo.

Então quero aproveitar a newsletter de hoje para falar sobre o impacto mais cruel dessa inação dos últimos anos: a piora da saúde indígena. Isso foi mais do que escancarado no começo do ano com a emergência do povo Yanomami, mas o problema está longe de ser localizado na região onde eles vivem.

Estava conversando sobre isso ontem com Marcia Castro, professora de demografia e chefe do Departamento de Saúde Global e População da Escola de Saúde Pública da Universidade Harvard. Há anos ela se debruça sobre a forma como se espalham doenças tropicais transmitidas por insetos e como isso pode ser impulsionado pela degradação ambiental e pelas mudanças climáticas. Seu foco original foi justamente a malária na Amazônia.

No final de março, em decorrência da situação dos Yanomami, Castro publicou uma nota na revista Nature Medicine com dados perturbadores.

“ Apesar de a doença estar em queda no balanço geral do Brasil – houve redução de 31% no número de casos entre 2017, ano em que houve um pico de infecções, e 2021 –, essa tendência não é homogênea. Nos Estados do Mato Grosso e de Roraima, por exemplo, houve um salto de 727% e 110%, respectivamente, no mesmo período. Há um motivo específico para isso.

“Casos em localidades urbanas, rurais e em assentamentos caíram desde 2017, mas nas áreas de garimpo e nas terras indígenas, cresceram 257% e 62%, respectivamente. É uma consequência do desmonte das agências ambientais e das mudanças na legislação implementadas no governo do presidente Bolsonaro, que relaxou a proteção ambiental e violou os direitos indígenas”, escreveram Castro e Cassio Peterka, da Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente, Ministério da Saúde.

Essas medidas, lembra a dupla, levaram a um aumento do desmatamento e do garimpo na Amazônia. Em 2021, a área de garimpo dentro de terras indígenas já era o dobro do que havia em 2018 e representava 11% de todo o garimpo da Amazônia. De acordo com o MapBiomas, o avanço do garimpo sobre terras indígenas foi de 632% entre 2010 e 2021. Apenas dois estados – Pará e Mato Grosso, concentram 91,9% do garimpo no Brasil.

Isso sem contar o enfraquecimento do próprio Programa Nacional de Controle da Malária, que deixou de trabalhar com estratégias para a eliminação da doença.

Em Roraima, revela a nota, estado onde fica a Terra Indígena Yanomami, os casos de malária reportados nas áreas de garimpo explodiram (alta de 65.000%) entre 2017 e 2021. Especificamente dentro das Terras Indígenas o aumento foi de 410%. No Amazonas, os aumentos foram respectivamente de 84,4% e 7,5%. No Pará, as altas foram de 217,1% e de 152,5%. E no Mato Grosso, de 30.000% e 5.000%.

Tirar os garimpeiros das Terras Indígenas é fundamental, clamam os pesquisadores, para interromper a transmissão da malária nessas regiões. E isso não pode ficar restrito ao território Yanomami, dizem, mas tem de ser estendido para toda a Amazônia.

A semana de celebrações é um momento propício para começar a girar a roda. Planos de desintrusão estão previstos para outros territórios, mas não têm prazo para começar. O próprio combate ao desmatamento – outro vetor importante de malária – não entrou efetivamente em vigor na nova gestão, e as taxas seguem perigosamente em alta. Os problemas estão se acumulando e se retroalimentam.

Giovana Girardi

giovana.girardi@apublica.org

Chefe da Cobertura Socioambiental

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