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Artigo – Barrigadas, marmeladas e fake news

A barrigada da CNN sobre os pretensos investimentos ucranianos no Brasil, que teriam sido suspensos por causa de declarações de Lula, não passa nem pelo filtro literário – o da verossimilhança – que dirá pela idoneidade da fonte – o governo de São Paulo, comandado por Tarcísio de Freitas, tão amigo da verdade quanto seu chefe, que nesta mesma semana mentiu descaradamente na Polícia Federal.

Também aproxima um dos veículos que se autodefine como “imprensa profissional” (expressão muito empregada nas empresas jornalísticas) de produtores de fake news bolsonaristas. Como já havia escancarado o caso da Jovem Pan, a objetividade e a apuração isenta do jornalismo viraram marmelada em parte da mídia comercial, que se arvora proprietária exclusiva de ambas as qualidades. 

Se, ao contrário da CNN, os veículos mais respeitáveis não chegam a inventar notícia, as omissões e subjetividades ao noticiar os fatos – às vezes de forma abertamente xenófoba (sobre isso vale ler a coluna porrada da querida Fabiana Moraes, no Intercept) ameaçam este pilar do jornalismo. “Não se trata de ‘destruir os pilares do jornalismo’, mas de qualificar radicalmente a objetividade necessária à profissão para, assim, fortalecê-la”, propõe Fabiana. 

De falsas equivalências e complacência com a extrema-direita ao papel reservado nas notícias àqueles que não fazem parte das elites e classes médias brancas do país, falta objetividade e apuração isenta na imprensa brasileira. Um pequeno exemplo: um estudo do Intervozes sobre o vazamento de petróleo na costa brasileira em 2019 mostrou que apenas 5% das fontes ouvidas pela imprensa nacional foram moradoras e moradores de territórios tradicionais pesqueiros e outras comunidades impactadas. 

Vamos ver agora como será noticiada a recém-criada CPI do MST, que “sem um objeto definido, é mais um palco para destilar ódio contra nossa luta”, como disse um dos líderes do movimento, João Paulo Rodrigues. A cobertura não começa bem: alguns veículos, por exemplo, publicaram que José Rainha será convocado pelos parlamentares sem informar que desde 2007 ele foi afastado do MST. Omitir fatos e papagaiar conversa de deputado não é receita de informação de qualidade.

O MST sempre foi maltratado pelos grandes veículos, que tratam com desconfiança movimentos sociais enquanto chancelam sem questionamento informações de fontes empresariais ou do “mercado”. Se o próprio movimento conseguiu a simpatia de parte do público difundindo suas práticas social e ambientalmente saudáveis de produção, com o apoio de influenciadoras como Bela Gil, a imprensa até hoje não aprendeu a diferença entre “ocupar” – uma ação política – e “invadir” – uma ação criminosa. Adotar o vocabulário da direita, não sinaliza imparcialidade. 

Assim como os agricultores familiares, os indígenas e, principalmente, os quilombolas não gozam de melhor reputação entre as grandes redações, embora nos últimos anos, a sociedade civil na internet e parte da imprensa internacional, principalmente com a emergência climática, tenham contribuído para corrigir, ao menos superficialmente, o tratamento dado aos povos originários.

Já os quilombolas continuam ilustres desconhecidos para boa parte da imprensa. Levantamentos feitos por pesquisadores mostram a publicação de reportagens que vão de acusações de “fraude” – por eles não serem necessariamente descendentes de ex-ocupantes de quilombos, uma visão rasa e equivocada do ponto de vista histórico e identitário dessa população – ao apoio a empresas e governos favoráveis ao empreendimentos que invadem suas terras. 

O caso da base de Alcântara, agora em julgamento na Corte Interamericana de Direitos Humanos, revela a omissão de graves violações cometidas contra os quilombolas da região desde o governo Sarney. Sem cobertura da imprensa à altura da gravidade dos fatos.  

Para manter a linha sanitária entre imprensa livre e propagadores de fake news, a objetividade é um ótimo critério, desde que, como ensina Fabiana, seja para valer, vigiando-se as subjetividades e interesses econômicos que nela interferem.

Um teste de independência para o jornalismo em grandes e pequenas redações. 


Marina Amaral
Diretora executiva da Agência Pública
marina@apublica.org

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